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domingo, 18 de setembro de 2016

UM BOI VÊ OS HOMENS (TEXTO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto que se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos - e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que 
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez, 
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido 
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 167. In: INFANTE, Ulisses. Textos: leituras e escritas: literatura, língua e produção de textos. Volume único. São Paulo: Scipione, 2004. p. 313