segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O TEMA DO ENEM: "DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO CINEMA NO BRASIL".

Sou professora de Língua Portuguesa, encerrei mais um dia letivo na sexta-feira, dia 1º de novembro, falando sobre redação para alguns alunos que estariam no domingo participando do ENEM. Hoje, segunda-feira, não será diferente. Iniciarei a aula retomando desse ponto, pois sei que o assunto do dia será sobre a quebra de expectativa dos alunos e professores acerca do tema tão esperado no ENEM 2019.

Onde está a dificuldade de redigir? Qualquer pessoa deve usar a lógica para tudo na vida, pensar nas diversas possibilidades de argumentação, mas o aluno do mundo digital sente dificuldade em organizar o pensamento. Ele até consegue entender "por alto" o que o texto está transmitindo, porém, é mais fácil falar do que escrever, uma vez que falando se repete palavras e quando se parte para um documento oficial, acaba havendo um bloqueio do raciocínio devido à preocupação em seguir regras gramaticais e de produção textual, a fim de se obter uma nota 1.000.

Gente, não vai resolver nada ficar discutindo, achando que o tema é excludente, que poucos têm acesso à cinema no Brasil. Eu vejo que a imagem sugestiva do tema em si já fala sobre acessibilidade. Dava para se abordar sobre a audiodescrição, a necessidade de inclusão para que haja feedback, pois até mesmo numa igreja, não basta sentar no banco e olhar para um lado e para outro, sentindo-se um peixe fora d'água, é essencial interagir. Precisamos de um profissional em libras em um culto. 

Da mesma forma, vemos na televisão e no cinema a necessidade de legenda para que o surdo possa ter acesso à informação; de tecnologia específica para a pessoa que apresenta dificuldade na visão (seja pequena, média ou mesmo total), poder ouvir; de um assento confortável para a mulher grávida (isso se vê reclamação até em ônibus); de rampa para o cadeirante, entre tantos direitos para efetiva inclusão social.

No entanto, o que vejo acontecer no país, no momento político atual, é o leitor querer pensar apenas na vertente de levar a discussão para o lado ideológico, de querer culpar o governo Bolsonaro para todos os erros que se cometem, enquanto perdem o foco optando pela versão vitimista de achar que a redação aborda um tema ligado à cultura, como se fosse contradição com a retirada de recursos que patrocinavam o cinema, por exemplo.

Eu fui menina de interior no período de 1974 a 1979 em João Câmara, e eu frequentei cinema. Fui morar em Natal em 1980, frequentei cinema. Os assentos eram duros, desconfortáveis, mas eu ia pela curiosidade dos efeitos especiais, pela vontade de encontrar amigos, de comprar passas ou pipoca, de ver o texto dramatizado, e assim, por inúmeros motivos. E tudo isso se deu no regime militar. Na época, eu era dependente financeiramente dos meus pais; hoje, posso pagar para entrar em cinema caro de shopping, mas tenho opção de baixar um filme e ver em casa, então, ir ao cinema não é mais instigante para mim. O que me importa é o enredo do filme.

O aluno tem desconto na carteira de estudante, entretanto, há quem prefira jogar em vez de ficar sentado em frente à tela. A prova é que se eu passo um filme em sala de aula e peço para fazer uma resenha, querem apenas tirar da internet, mostrar um trabalho já pronto, apenas impresso. Poucos são os que querem pensar e argumentar. Preferem comédia por ser mais fácil rir.

Lembro que na referida sexta, ouvi um aluno dizer: 
_ Professora, hoje não é para se escrever mais, basta digitar. 
Eu respondi: 
_ Vocês querem digitar de todo jeito: abreviado, gíria, mas o ENEM exige o modo formal, e aí?!

Baseado nisso, acredito que estou perdendo tempo ao escrever esse texto, porque sei que muitos não lerão por preguiça ou por achar que estou defendendo o governo atual. Eu simplesmente entendo que foram feitos cortes nos recursos, porque um dos motivos era ver patrocinarem filmes com elenco que favorecia alguns grupos, artistas de renome, enquanto as leis de incentivo à cultura deveriam estar patrocinando novos cidadãos que querem ser artistas, pessoas que teriam chance de desenvolver seus talentos no teatro, na novela e no cinema. 

"A arma mais poderosa é a palavra". Não devemos nos calar, contudo, querer direcionar a causa do fracasso da redação do ENEM, fazendo jogada política, é cada vez mais desviar o foco e deixar a população alheia à verdade nesse empurra-empurra de fakes dos lados situação/oposição na guerra midiática que estamos travando. 

Poucos leem muitos textos sérios, edificantes, interessantes; por outro lado, muitos leem besteira e se limitam a pensar resumidamente. Nós somos aquilo que lemos, logo, o que pode sair de nossa mente?

Bom, peço desculpas a quem não pude agradar, mas democratizar é expor o que se pensa e sente. Gostaria de ter mais leitores pensantes e não apenas replicadores de plágio, por isso insisto tanto na leitura e escrita, sabendo que chego a ser chata, mas é para fazer jus à leitora e escritora que sou, além de honrar o salário que recebo para formar novos leitores, escritores e, acima de tudo, críticos. 

E, para finalizar, espero que esse tema da redação traga efeitos positivos em relação à acessibilidade ao cinema. Que não seja apenas um item de concurso, mas que encontre caminhos inclusivos, que todos que necessitam ser incluídos sejam protagonistas de sua história, e que a mesma em breve seja contada em cinema.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem argumentado

Unknown disse...

Muito bom👍❤️