quinta-feira, 20 de março de 2014

OS NOMES (POEMA DE MANUEL BANDEIRA)

Duas vezes se morre:
primeiro na carne, depois no nome.
A carne desaparece, o nome persiste mas
Esvaziando-se de seu casto conteúdo
- Tantos gestos, palavras, silêncios -
Até que um dia sentimos,
Com uma pancada de espanto (ou de remorso?),
Que o nome querido já nos soa como os outros.

Santinha nunca foi para mim o diminutivo de Santa.
Nem Santa nunca foi para mim a mulher sem pecado.
Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos
                                              claros à flor da boca.
Era a intuição rápida, o medo de tudo, um certo
                 modo de dizer "Meu Deus, valei-me".
Adelaide não foi para mim Adelaide somente
Mas Cabeleira de Berenice, Inominata, Cassiopéia.
Adelaide hoje apenas substantivo próprio feminino.
Os epitáfios também se apagam, bem sei.
Mais lentamente, porém, do que as reminiscências
Na carne, menos inviolável do que a pedra dos 
                                                             túmulos.


(Manuel Bandeira - Petrópolis, 28/02/1953) In: BANDEIRA, Manuel. Antologia Poética.
 9ª ed. Livraria José Olympio Editora S.A. 1977, 216. p. 151

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