sexta-feira, 1 de julho de 2016

A TROCA (TEXTO DE LYGIA BOJUNGA)

       Para mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida.
       Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.
        De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.
         Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça. Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
        Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.
        Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que - no meu jeito de ver as coisas - é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
        Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra - em algum lugar - uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

BOJUNGA, Lygia. Livro: um encontro com Lygia Bojunga. 2. ed. Rio de Janeiro. Agir, 1998. In: OLIVEIRA, Tania Amaral de... [et al]. Tecendo Linguagens - Língua portuguesa: 7º ano. 4ª ed. São Paulo: IBEP, 2015. p.125-126
          


        
        

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