terça-feira, 6 de junho de 2017

SER E SABER (LÊDO IVO)

Vi o vento soprar
e a noite descer.
Ouvi o grilo saltar
na grama estremecida.

Pisei a água
mais bela que a terra.
Vi a flor  abrir-se
como se abrem as conchas.

O dia e a noite se uniram 
para ungir-me.
O enlace de luz e sombra
cingiu os meus sonhos.

Vi a formiga esconder-se
na ranhura da pedra.
Assim se escondem os homens
entre as palavras.

A beleza do mundo me sustenta.
É o formoso pão matinal
que a mão mais humilde deposita
na mesa que separa.

Jamais serei um estrangeiro.
Não temo nenhum exílio.
Cada palavra minha
é uma pátria secreta.

Sou tudo o que é partilha
o trovão a claridade
os lábios do mundo
todas as estrelas que passam.

Só conheço a origem:
a água negra que lambe a terra
e os goiamuns à espreita
entre as raízes do mangue.

Só sei o que não aprendi:
o vento que sopra
a chuva que cai
e o amor.

IVO, Lêdo. Crepúsculo civil. Rio de Janeiro: Record, 1990, p. 14-5. In: INFANTE, Ulisses. Textos: Leituras e escritas. Volume único. 1. ed. São Paulo: Scipione, 2006. p. 235

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