sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A ALEGRIA (POEMA DE FERREIRA GULLAR)

O sofrimento não tem 
nenhum valor.
Não acende um halo 
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste 
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.


(Ferreira Gullar; "Na vertigem do dia". In: Toda poesia. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.)

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